segunda-feira, abril 11, 2005

Crosta

Paredes escuras, humidade viva e sofucante.
Doce lar infernal que me embriaga os sentidos
E me faz seu escravo, um defunto amante.
Não sou mais que isso desde tempos antigos...

As minhas vísceras já as consumi eu próprio;
Entusiasmei-me com falsas e frágeis esperanças
Que findaram antes mesmo de se tornarem vício,
E tornando os meus fortes desejos em atitudes mansas...

Alimentava-me de mim próprio sofregamente
Para não morrer consumido pelo meu cubículo.
E assim lá ía sobrevivendo dolorosamente,
Deixando a Morte abandonada e o Diabo fulo.

Agora que me conheço por dentro e por fora,
Submeto minha alma e espírito aos meus caprichos.
Expulsei-os de mim e em muito boa hora.
Não passavam de vermes, repelentes bichos.

Os espíritos, outrora atrás de minha alma,
Atacam-me, atazanam-me, enlouquecem-me.
Riem-se de mim, ouço-os à noite na cama.
Cheio de medo e intranquilo querem ver-me...

Não me dão um minuto de tréguas que seja.
Querem os restos que deixei de mim próprio
Mesmo que nas derradeiras forças eu me veja,
Querem-me desperto, alerta e sóbrio...

Chupam-me as entranhas até ao tutano;
Sou seu alimento e desprezível brinquedo;
Uma oferenda para um deus tirano,
Que se livrou de meus irmãos muito cedo...

Vagueio de mão em mão à espera
De que um dia felizmente me abandonem.
Era o princípio de uma nova Era;
Desejem-me isso, rezem e sonhem.

Necessito de liberdade; não, de ser livre!
Longe da merda, perto da vida...
Talvez o único sítio onde nunca estive,
Pois sou alguém que só com a Morte lida.

Com Ela faço todo o tipo de jogos,
Mas o que mais gosto é o da 'Escondidas'!
Digo-lhe: -'Não me apanhas agora, talvez mais logo!'
E enfadada vai ceifar outras vidas...

Mas morrerei e tal como nasci,
Sem nada e com nada para sempre.
Com um vazio foi como vivi...
Quem me dera ainda estar no ventre...